Rafael de Lala, jornalista
Odone Fortes Martins, falecido no último dia 8, foi mais que o fundador e diretor do Diário da Industria & Comércio; foi um ícone do Paraná. Sólon, um dos sábios da Grécia, ensinava que a trajetória de vida de um homem só pode ser aferida quando ele baixa à sepultura. Porque a morte é o término da aventura humana – a partir da qual já não podem mais ser praticadas ações virtuosas.De Odone, após sua partida deste plano, podemos avaliar sua jornada de 81 anos por estas terras do Sul do Brasil; desde que ele chegou de Porto Alegre – moço ainda – para ajudar a construir sua carreira e no processo, a construção do Paraná.
Saltamos sua infância e juventude no Rio Grande do Sul, onde foi aluno da sólida educação adventista e depois, acompanhou o cotidiano da afirmativa imprensa gaúcha – notadamente seu jornal de negócios, sua imprensa diária, seu mercado publicitário e sua robusta força empresarial.
Chegando a Curitiba na chefia dos empreendimentos das Páginas Amarelas – um guia telefônico reputado que cobria as atividades vinculadas em paralelo à rede de comunicação telefônica de então – assistiu à transformação do estado do Paraná de discreta área provinciana em promissor pólo de atividades do Centro-Meridional do Brasil.
EM TRANSFORMAÇÃO
Era um período de transformação para a modernidade contemporânea, com empresas florescentes, população transbordante, um governo regional afirmativo num Brasil que prometia. Nessa conjuntura, o faro empresarial de Odone intuiu que Curitiba e o Paraná comportavam um jornal especializado nas atividades empresariais e da economia em geral e; reunindo uma equipe de jornalistas experimentados, estudantes de comunicação e repórteres empenhados, lançou o DIARIO DA INDÚSTRIA & COMERCIO.
Passado quase meio século – 47 anos – o jornal de Odone se consolidou como um dos três veículos da imprensa diária do Paraná. Superou solavancos da conjuntura, sempre incerta, da economia do país – fases de prosperidade e outras menos positivas – mas sempre com foco na economia, negócios, na empresa.
À frente do “Indústria & Comércio”, Odone sempre teve uma visão positiva, de vanguarda. Buscava, com sofreguidão, as notícias de iniciativa empresarial, de uma fábrica nova a se instalar, um empreendimento em fase de lançamento, uma região a se expandir.
Sabia que o Paraná – terra de seiva e riqueza – para crescer precisava operar o milagre – que só o empreendedor sabe conduzir – da transformação dos recursos de sua generosa natureza em bens e serviços de valor agregado; concretizando o milagre bíblico da multiplicação dos talentos que ele aprendera na escola adventista de sua juventude.
COM O EXTERIOR
Por isso, moveu céus e terras para lançar uma campanha em prol da elevação do Paraná à condição de 4º estado do Brasil. Quarto maior em geração de riquezas, apesar de possuir um escasso território de 2,3% do total do país.
Conquista que celebrou, há pouco mais de dois meses, durante evento de apresentação das cem maiores empresas paranaenses no Teatro Casillo, ao lado do vice-governador Darci Piana e de outras lideranças.
Mas para isso – transformar recursos da natureza em produtos, empregos, riquezas – Odone se investiu na condição de caixeiro viajante do Paraná. Apoiou entidades como o Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Paraná, o Conselho de Comercio Exterior da ACP e outras, em andanças pelos cinco continentes na liderança de missões de conquista de mercados, oferecendo produtos paranaenses na Europa, África, Ásia.
Nessa condição foi um dos poucos paranaenses a visitar e conhecer a fechada Coréia do Norte. Explicando que, apesar de enclausurada, consumia e podia fazer trocas com quem se aventurasse a explorar-lhe as oportunidades. Essa visão, Odone trouxe para seu jornal com os tradicionais “Cafés das Nações”, onde reunia experts de negócios com o exterior, empresários, acadêmicos e jornalistas, a expor e debater experiências de vendas internacionais. Pioneirismo incorporado, hoje, pelos governantes, com visitas a feiras de negócios e atração de investimentos.
CONSELHEIRO E CONCILIADOR
Em sua entidade master, a Associação Comercial do Paraná, Odone militou por mais de quatro décadas. Sempre influindo, mas nunca aceitando convites para concorrer à sua presidência. Avaliava, corretamente, que a liderança de uma grande confraria como a Casa fundada pelo Barão do Serro Azul não se coadunava com a responsabilidade de dirigir um jornal diário, com uma equipe a depender de seu chefe.
Sabedoria e discernimento que, entretanto, dispensava na Associação Comercial, conselheiro de tantas gestões e, por último, no papel exponencial de Coordenador do seu Conselho Superior. Conselhos que oferecia, generoso, a quantos o procuravam na sede da ACP ou, aos domingos, depois da Missa na Igreja de Santo Estanislau. Contou-me um empresário que aguardava Odone na porta da igreja para ouvi-lo sobre as perspectivas para os negócios – sempre uma interpretação equilibrada em face dos corcoveios que cercam nossa realidade.
JORNALISTA E EMPRESÁRIO
Esse talento, de arrojo temperado com conciliação, foi haurido por Odone graças à sua trajetória de jornalista empreendedor no campo da comunicação. Porque o profissional de imprensa, quando agrega sua atividade de farejador da notícia à visão de empresário, se torna como que um arauto do futuro, conseguindo entrever nas brumas incertas do amanhã que ainda não ocorreu a linha principal porque se orientarão os acontecimentos.
Eu e minhas circunstâncias – ensinava outro grande jornalista e pensador espanhol, Ortega y Gasset – explicamos o mundo. Foi assim Odone Fortes Martins, um explicador do mundo de seu tempo, da realidade econômica, da transformação tecnológica, da consolidação da democracia brasileira, da afirmação do Paraná como quarta economia nacional.
VIDA BEM VIVIDA
A Odone, nesta despedida, pode se aplicar a lição de Cícero, o orador romano clássico, que dizia: “Embora seja curta a vida que nos é dada pelo Criador, é imorredoura a memória de uma vida bem vivida”. Odone foi essa vida bem vivida, de que nos despedimos com pesar mas esperança – esperança porque o seu legado vai perdurar na memória de seus contemporâneos!
Foto e Fonte: Diário Indústria e Comércio, 11/10/23